Houve uma época em que a cidade de São Paulo(Brasil) respirava cinema de arte. Cada bairro, cada esquina tinha uma sala de exibição confortável. Hoje, reduzidas aos shoppings, não mais existem salas ao rés-do-chão. Confira, somente no Brás, região centra da cidade as salas que deixaram saudades.
Cinema Popular — Avenida Rangel Pestana, esquina com a rua Martin Burchard. Fundado em 1909, propriedade de Achiles Guilherme. Funcionou alguns poucos anos e sediou mais tarde a primeira escola de cinema de São Paulo, Azurri, posteriormente transferida para a rua Quintino Bocaiúva.

Piratininga (o primeiro com esse nome no Brás) — Fundado em 1910 pelo sr. Fernando Taddeo, de uma família que se tornará tradicional na exibição cinematográfica. Ficava na rua homônima e era um antigo galpão de móveis, coberto de folha de Flandres, com piso de paralepípedos. Não funcionava em dias de chuva por causa das rachaduras no teto. E se a chuva viesse durante o espetáculo, o jeito era abrir o guarda-chuva. Suas cadeiras de ferro dobráveis foram cedidas pela Cia. Antarctica Paulista.
Amerikan Cinema — Avenida Celso Garcia, 40 (antigo), próximo à atual rua Costa Valente — Cinema de curta duração fundado a 10 de novembro de 1911 pelo sr. Paschoal Platino.
Brás-Bijou — Avenida Rangel Pestana, 148 (antigo), quase em frente à atual rua Oiapoque (antiga rua América). Nascido também em 1911, fundado pelos sócios Lúcio de Fiori, Luiz Sprovieri e Erasmino Gogliano. Este último foi campeão brasileiro de tiro ao alvo, pai de Oswaldo Gogliano, o Vadico (1914-1962), companheiro de Noel Rosa em sambas famosos como Feitiço de Oração, Conversa de Botequim, Pra que Mentir e outras. Vadico integrou o Bando da Lua e acompanhou Carmen Miranda nos Estados Unidos. O Brás Bijou durou cerca de seis anos, uma vida até longa se comparada à efemeridade da maioria dos cinemas fundados na sua época. Legou ainda o seu espaço, à altura do número 1580 atual da avenida Rangel Pestana, para dois outros famosos cinemas do Brás: primeiro o Mafalda e depois o Piratininga (segundo).
Brás-Cinema — Nas proximidades do Brás-Bijou, dos mesmos sócios e na mesma época. Localização exata não identificada.
Ideal (o primeiro) — Rua do Gasômetro, 35-37 (antigos), logo após a rua Monsenhor Anacleto. O sr.Vicente Linguanoto tinha uma fábrica de beneficiar arroz no local. Com a chegada da exibição cinematográfica, ele logo resolveu mudar de ramo fundando o Ideal Cinema, em 1911. Linguanoto, entretanto, parece que não se deu muito bem no novo negócio. Tentou aumentar o faturamento do cinema e começou a dar sessões depois das onze da noite, com a exibição de filmes pornográficos. Num dia de junho de 1912, o 3º delegado auxiliar encarregado dos divertimentos públicos chegou de surpresa ao cinema. Ao perceber sua presença, o sr. Linguanotto tocou uma campainha e o filme em exibição, Para o Harém, foi imediatamente trocado por um inocente documentário sobre a vida das abelhas. O policial, entretanto, não se deixou enganar apreendendo o estoque de filmes pornográficos do cinema e multando o seu proprietário. No ano seguinte o Ideal foi vendido à Companhia Cinematográfica Brasileira de Francisco Serrador, mas não durou muito mais.
Isis-Theatre — Ainda em 1911, no dia 7 de abril, foi inaugurado o Isis-Theatre, outro cinema da rua do Gasômetro. Ficava no número 47 antigo, correspondente ao número 245 atual. A poucos metros do Ideal do sr. Vicente Linguanoto, o Isis Theatre pertencia ao sr. Luís Taddeo, irmão do sr.Fernando Taddeo que fundou o primeira Cine Piratininga do Brás. Na década de 30, o Isis-Theatre passou a chamar-se Cine Glória.
Pavilhão Oriente — Mais um cinema do Brás existente em 1911. Pertencia ao sr. Francisco Cunha e ficava na rua Henrique Dias, esquina com Rodrigues Santos.
Avenida — Funcionava em 1913 e teve vida muito efêmera. Na Rangel Pestana nº 111 (antigo) logo depois da rua Caetano Pinto. No intervalo das exibições, apresentava números musicais.
Eros — Rua Piratininga, esquina com rua Cel.Murça. Com os lucros que lhe deu o seu Cine Piratininga, naquela mesma rua, o sr. Fernando Taddeo montou em 1913 o Eros Cinema, de longa duração. Teve um tempo desativado para ressurgir depois com o nome de Ideal até o seu fim na década de 60.
Salão Cinema — Junto à Confeitaria Guarani, célebre no bairro e na cidade, fundado em 1913, pela família Siniscalchi, na avenida Rangel Pestana, 122 (antigo), à altura do número 1380 atual, há muito tempo uma agência do Bradesco. O cinema fechou logo, a confeitaria atingiu a década de 60.
Savoy - Rua Mendes Júnior, 711. Inaugurado a 23 de novembro de 1950 com o filme Os Piratas d Capri, produção italiana da Art Filmes
São Sebastião - Rua Maria Marcolina. Fundado na década de 50, não conseguiu ficar nas lembranças de muita gente, como outros cinemas do bairro.
São José — Fundado em 1914, rua Nova São José, 22. Esta rua, que herdou um antigo nome da rua Líbero Badaró foi absorvida depois pela rua 21 de Abril. O São José viveu pouco mais de dois anos e seu lugar foi ocupado durante muito tempo pela empresa Nadir Figueiredo.
Politeama — Avenida Celso Garcia, 55 (antigo) correspondente ao 223 atual. Com construção iniciada em 1914, propriedade de A.Godinho, foi logo arrendado pela empresa Canuto, Cicciola e Rocha, integrada por famosos empresários circense e de outras diversões na época.
Chamou-se inicialmente Teatro Politeama do Brás, porque quando sua construção foi iniciada ainda existia o Teatro Politeama no Vale Anhangabaú, destruído por um incêndio naquele mesmo ano. O Brás-Politeama viveu bravamente até o começo dos anos 50. Na mesma década ocuou o seu lugar o cine Brás que não teve a mesma longevidade. Pertenceu também à Empresa Cine Paulista.
Celso Garcia — Avenida Celso Garcia, 46 (antigo),entre as ruas Costa Valente e Joli. Fundado em 1914 pelo alemão Estevam Knoeller. Na época, eram muito comuns os cinemas apresentarem os espetáculos de lutas-livres como complemento à exibição dos filmes. O resultado das lutas quase sempre eram previamente combinados e não se tornavam raros os empates que estimulavam a volta dos espectadores para assistirem o tira-teima. A 26 de março de 1915 dois famosos lutadores defrontaram-se no Cinema Celso Garcia, já com novo proprietário, o sr. Teófilo Melo. Um dos lutadores chamava-se Rafael Moreno e o outro era Antonio Esper (conhecido como Dudu), que em 1924 morreu em combate lutando pela Coluna Prestes.
Houve uma prévia combinação de empate, mas Dudu, entusiasmado pela reação da platéia, usou sua melhor técnica para vencer a luta, desrespeitando o acordo. Moreno irritou-se e nos bastidores quis ir à desforra munido de uma faca. Dudu, que sempre portava um revólver por sua condição de vendedor externo de uma loja, sacou a arma para defender-se. O juiz da luta, Cid Cobert, tentou interferir e foi mortalmente atingido por uma facada. Não obstante, o Cinema Celso Garcia continuou a funcionar por mais alguns meses. Parece, porém, que carregava maus fluídos. Seu fundador e primeiro dono, Estevam Knoller, morreu vítima de um tiro durante uma caçada.
Mafalda — Rangel Pestana, 150 (antigo) à altura 1560 atual. Fundado no final dos anos 10, era famoso pela sua orquestra. Ocupou o mesmo terreno do Brás-Bijou, primeiro dos muitos cinemas da avenida Rangel Pestana. Cedeu seu terreno no começo dos anos 40 para o Cine Piratininga.
Olimpia — Avenida Rangel Pestana,1266. Fundado no começo da década de 20 num prédio pertencente aos Medicamentos Fontoura. Durante a revolução de 24 foi atingido por uma bomba que danificou o seu teto. Desapareceu nos primeiros anos da década de 50.
Babilônia — Fundado nos meados da década de trinta, ficava na avenida Rangel Pestana, 2079, endereço que já foi ocupado pelas Casas Bahia e hoje servindo a Chik's Center Modas. Fazia parte de um grupo de casas vizinhas pertencente à sra. Isabel Leonor M. Combes. Desapareceu no começo dos anos 50.
Oberdã— Rua Ministro Firmino Whitaker,63. Fundado em 1929 pela sociedade italiana Leale Oberdan e arrendado posteriormente para a Empresa Teatral Paulista (ETP), firma que se expandira a partir da cidade de S.Carlos. No dia 10 de abril de 1938, um domingo, durante a vesperal, exibia-se o filme Criminosos do ar. Quase no término da sessão, na cena final do filme, dois aviões policiais trocavam tiros com o avião do bandido quando alguém entusiasmado com a perseguição gritou "fogo". Imediatamente, os espectadores, em pânico, começaram a correr para a saída. Na escada estreita que dava acesso à rua, as pessoas se atropelavam, se derrubavam e se pisoteavam. Houve trinta e uma mortes, a maioria de adolescentes entre oito e dezesseis anos. Entre os adultos, só morreu uma mulher que tentou proteger seu filho. A criança salvou-se. O Oberdã tinha 1600 lugares e sistemas de segurança considerados bem melhores do que outras salas contemporâneas. Apesar da tragédia, o cinema voltou a funcionar e viveu ainda por muitos anos.

Roxy — Ocupava um espaço que ia do número 485 ao número 503 da avenida Celso Garcia. Fundado no final dos anos 30,alcançou a década de 70.
Universo — Outro grande cinema do Brás, fundado no final da década de 30, entre os números 360 e 390 da Celso Garcia Também chegou à década de 70. Da Companhia Paulista de Cinemas. Seu projeto arquitetônico foi de Rino Levi, famoso arquiteto modernista, responsável também por outros cinemas de S.Paulo. O Universal tinha um teto escamoteável especial para as noites de verão. Nem sempre, porém, o teto funcionava quando chegava um temporal repentino. Foi no Universal que, em 1967, Roberto Carlos comemorou com uma festa de arromba o seu 23º aniversário.
Piratininga — Rangel Pestana, 1554. Fechado no final dos anos setenta, ocupou na década de 40 um espaço que anteriormente já servira dois outros cinemas famosos do Brás Brás-Bijou e Mafalda. Com capacidade para cerca de 5.000 espectadores, o Piratininga anunciava-se orgulhosamente como o "maior cinema do Brasil". O projeto arquitetônico do Piratininga foi também de Rino Levi.
Fontana — Av. Celso Garcia, 273. Quando surge, já o bairro perdera o seu brilho cinematográfico que ostentara em tempos idos. Com a inauguração de salas enormes da década de 40, o Bras ganhara a condição de segundo território exibidor (região de concentração de cinemas no jargão dos empresários da área) da cidade, perdendo apenas para a chamada Cinelândia. A época de glória começa a finar-se, porém, a partir de 1950. Com o cinema Bras, seu vizinho, o Fontana teve existência curta, assinalando que o oxigênio do Bras para a exibição cinematográfica se esgotara. (Fausto Visconde - memória / francisco martins)