A aprtir de hoje os leitores de F&M terão mais uma opção, os contos trágicos e eróticos de Kreubber Krigger Krugger, começando por: O altruísmo levou-lhe à morte
Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1958. Nessa data, o jovem Arlindo Armando, 23 anos, de classe média, que havia cursado medicina em Pernambuco, termina seu estágio e se especializa em cardiologia infantil. O Dr. Armando, arranja trabalho em um famoso hospital na baixada fluminense e trabalha 3 anos consecutivos, sem férias. Aos 27 anos, era Deus no céu e sua profissão na terra. Aos poucos, se torna um dos profissionais mais dedicados do estado carioca. Dr. Arlindo Armando sentia-se um pouco cansado, afinal atender em um pronto socorro da baixada fluminense requeria muito esforço. E ele, já havia três anos que não sabia o que era descansar. Sua vida estava resumida a dormir, acordar e ir trabalhar. Não sabia o que era praia, cinema ou teatro etc. Uma propaganda em um conhecido jornal pernambucano, comprado na Praça Tiradentes, RJ, levaria o médico a decidir por umas férias em Pernambuco. Dr. Armando, como era conhecido no hospital, olhou em sua agenda, e viu que seus clientes estavam medicados, e careciam de retorno a 20 dias. Pensou o médico: são vinte dias nas belas praias de Pernambuco, e volto a tempo para o retorno à consulta dos clientes. Comprou a passagem e rumou para Recife, no dia 23 de outubro de 62. Enquanto o avião sobrevoava Recife, para posar no Aeroporto dos Guararapes, ele avista os rios Beberibe e Capibaribe, Dr. Armando admira-se com a beleza dos rios. Ao descer no aeroporto, vê a manchete estampada " Salvem o pequeno Sinval". Seu coração de médico altruísta balançou. Pensou, pensou, ah! aqui tem grandes médico.
Seguiu para o hotel e não conseguiu dormir. Aquela manchete estava gravada em sua retina. Suportou a pressão das imagens por dois dias, até que procurou o hospital e pediu para falar com o médico que atendia o menino que completava 5 anos naquele dia 25 de outubro de 63. Lá ele ficou sabendo de toda situação e resolveu entrar na luta pela vida de Sinval. Enquanto seu colega explicava que o problema do garoto era a falta de um doador de sangue tipo -O negativo, via nos olhos de Dr. Armando um certo brilho, que lhe interrompeu: meu sangue é esse tipo e eu quero doar, exclamou. Imediatamente, disse o médico, avisem para a família Silva comparecer ao hospital urgente, isso por volta das 18h00. Um estafeta do hospital foi até ao serviço de utilidade pública de uma rádio, o modo mais rápido de atingir à família. Dr. Armando sabendo dos procedimentos, voltou ao hotel para estar descansado no dia seguinte, quando faria mais uma boa ação, doar sangue para o menino Sinval. Após um jantar leve, foi para cama e logo pegou no sono, e teve quase que uma visão. No sonho, Dr. Armando encontrava-se no Rio de Janeiro, na Praça XV. Um garoto de aproximadamente 13 anos se aproximava dele e puxava uma arma de fogo. Ele lutava com o garoto. O médico não levou em consideração a premonição. Voltou a dormir mas teve o mesmo sonho. Alguma coisa parecia querer avisar, quando seguia para o hospital a ambulância se envolveu em um incidente o que acarretou em alteração no horário da transfusão. O médico sentia que tinha cumprido mais uma missão em sua vida, apesar da modéstia, sabia que havia salvo da morte aquela pobre criança.
Dr. Armando tinha apenas mais dois dias na capital pernambucana, mas não queria voltar ao Rio de Janeiro sem saber como estava o garoto. Viajou até Bezerros, onde comprou na feira de artesanato, um carrinho de boi e levou de presente para Sinval. Ao dar-lhe o presente o garoto disse: "eu queria um revólver e não carrinho de boi". Mais uma vez veio em sua mente aquele sonho. Mais uma vez ignorou a reação da criança e, o beijou na testa e após tomar um café despediu-se da família e voltou para Recife pois no dia seguinte tinha de retornar ao trabalho no Rio de Janeiro. De volta ao Rio, a rotina do médico recomeça. Certo dia, resolveu não ir direto para casa como sempre fazia, foi ao centro da cidade, na Praça XV. Era dia 15 de setembro de 1973, 16h50. Ao parar o carro sentiu um calafrio seguido de pressentimento de estar sendo observado. Olhou para seu lado esquerdo e viu apenas um garoto, que julgou ter entre 12 e 13 anos. Demorou uns cinco minutos e saiu com as mãos carregadas com brioches e outras guloseimas. Ao se aproximar do carro percebeu que o garoto também se movimentara ao seu encontro. Apenas mais um pedinte, devo ter moedinha no bolso, pensou o médico não tem problema. Nesse momento, Dr. Armando move sua mão em direção ao bolso para pegar a chave do automóvel; foi seu erro. Quando viu aquele menino apontando-lhe uma arma, veio à sua mente aquele terrível pesadelo com o pequeno Sinval a quem ele havia doado sangue e salvo-lhe da morte. Foi rápido, caiu e via pessoas ao seu redor: foi o ‘paraíba’ que matou o Dr. Ele fugiu. O médico foi socorrido apenas para constar, pois foi morto ali mesmo. O médico não tinha contado nada sobre sua atitude em Recife. O maior segredo Dr. Arlindo Armando não ficou sabendo.
Bezerros, Pernambuco, 25 de março 1958, nasce na zona da mata pernambucana Sinval Silva, cuja mãe morreu minutos depois do parto. Logo ao nascer, foi adotado por uma tia de condições financeiras precárias. Até os 3 anos de idade, Sinval tinha uma vida normal. Esperto, andava e falava muito bem e enchia de orgulho a sua família e os amigos que o enchiam de carinho. Enquanto o médico carioca segue em mar de rosas, a vida parece querer fechar portas ao pequeno Sinval. Aos 3 anos sua saúde começa a ficar abalada, e ele começa a sentir dores, suar frio e além de uma pele amarelada. Promessas, curandeirismo e chás, todas as possibilidades naturais foram tentadas pelos pais que, desconfiavam que o menino sofria apenas de doença de bichas, lombrigas. Foram vários os purgantes dados ao menino sem que nenhum efeito surtisse. Começava a via sacra dos Silva. Uma consulta fora marcada com um médico de adulto em um hospital de Olinda, PE. Apesar de ser apenas um clínico geral, o médico ficou alarmado com o estágio em que se encontrava a saúde do menino que, sofria de várias doenças entre as quais anemia calciforme. Logo pediu que mobilizasse os parentes. A família começou a visitar os parentes próximos e a escrever cartas aos mais distantes " Querido primo, essa missiva tem função de comunicar que nosso filho Sinval, de 3 anos sofre de uma grave doença e precisa de sangue. Se puder comparecer para ajudar, agradecemos em nome de Deus", dizia trecho da carta enviada aos parentes e amigos. Nada de se encontrar doador compatível, sangue -O do garoto [negativo].
O caso foi parar nas colunas dos principais jornais de Pernambuco e região. Todo mundo queria ajudar. Filas se formavam nos hospitais para saber se o sangue era compatível com o de Sinval. Enquanto isso, no pequeno município de Bezerros, a mãe de Sinval ouvia a ' Hora do Ângelo', que foi interrompida abruptamente, até causando uma certa irritação da mulher. "Atenção, solicitamos aos que estiverem ouvindo esta estação e se conhecer os pais de Sinval Silva, os avise para comparecer ao hospital juntamente com a criança, urgentemente", disse o locutor. Sinval teria uma nova data de "nascimento", dia 25 de outubro de 63, dia em que o Dr. Armando chegou a Pernambuco. Conforme dia marcado, o garoto recebeu a transfusão de sangue doado pelo médico, que mesmo contra gosto, fora laureado pelo governo municipal devido o ato de altruísmo. Uma semana depois, Dr. Armando vai ao hospital visitar Sinval e recebe a boa notícia que, no dia seguinte receberia alta, e isso o deixou muito alegre. Porém não deixou de fitá-lo profundamente nos olhos. Sinval recebeu alta e se recuperou rapidamente.
Os anos se passavam e Sinval estava com 12 anos já. Sem nenhuma sequela, já tinha se envolvido em brigas de rua, havia furtado coisas de prateleira de supermercados entre outros. Não justificava seu ato de furtar, mas a seca castigava o Nordeste, especialmente Pernambuco, e ele furtara coisas de comida. Cansado de sofrer, seus pais resolvem se mudar para o Rio de Janeiro, em 1972, foram morar no Morro de Ramos. Rebelde mas comunicativo, sujeito jovem e parrudo, Sinval fez amizade com marginais da região, entre eles o temido assaltante 'pezão' , que o adotou e prometeu ensinar-lhe o 'ofício' de assaltante nos menores detalhes. O menino vibrou com a ideia. Pezão deu-lhe um revólver calibre 22 e disse mais: dia 15 às 17h00 vamos nos encontrar na Praça XV, que vou te levar a um lugar ai pra tu aprender atirar. Armado e com medo de atrasar pois ainda não conhecia bem a cidade, Sinval chegou mais cedo no local e, ao avistar aquele homem de carro e vestindo roupa branca pensou: porque não tentar com esse ai! Quando viu o médico saindo de uma padaria com as mãos ocupadas, avançou ao seu encontro. As mãos de Sinval estavam trêmulas, suava frio. Mas sacou a arma e, decidido, foi ao encontro de sua presa. Quando Sinval percebeu que o médico desocupara uma das mãos se assustou e a menos de 3 metros de distância atingiu-lhe com 3 tiros. Anoitece e Sinval não volta pra casa, e sua ‘ mãe’, que trabalha de faxineira começa a se preocupar. Mil pensamentos lhe vem à cabeça. Cansada, adormece e acorda na hora de ir trabalhar, e nada de Sinval aparecer.
Na manhã seguinte toma uma condução às 6h40 e ao chegar em Copacabana um jornal estampava a manchete " Médico é morto por garoto de 12 anos com três tiros na Praça XV". Ao chagar no trabalho, seu patrão leu-lhe toda a notícia enquanto ela chorava pois já sabia que se tratava de Sinval, cujo médico havia doado sangue salvando-o da morte quando tinha cinco anos. Através dos jornais Sinval tomou conhecimento de que aquele homem que ele tinha matado era o Dr. Armando que, além de uma segunda chance de vida, deu-lhe presentes e beijou-lhe a testa. O destino estava traçado, recebeu em troca, o brutal assassinato. Quando estudante, o atual médico havia se envolvido amorosamente com a camareira da pensão do estudante, e dessa aventura, sem saber nasceu Sinval Silva. Ou seja, Dr. Armando, deu-lhe a vida por duas vezes: quando da aventura amorosa com a camareira e quando doou-lhe sangue. Sinval sempre reclamava que gostaria de encontrar seu pai biológico, pois tinha no tio a figura de paterna. Sinval não deu a chance ao Dr. Armando de saber que tinha um filho. Também não deu a si próprio a chance de conhecer o pai que tanto almejava; tirou-lhe a vida. Nunca mais Sinval fora visto por sua tia ‘mãe’. Ela jurou junto ao caixão do médico que iria dedicar parte de sua vida para encontra-lo e então ... aguardem! {KKK}{Em destaque ator Douglas Silva, o Zé Pequeno em Cidade de Deus, filme de Fernando Meirelles}